Hispéria (ou Hespéria) 1. Uma das ninfas inácides concebidas pelo potâmoi Ínaco 2. Hispânia ou Península Ibérica (Hespérica), tal como referida por Camões 3. Cidades dos Estados Unidos da América (Califórnia e Michigan) 4. Asteróide descoberto em 1861 por Giovanni Schiaparelli 5. Espécie de insecto (Aphaenogaster hesperia) 6. Espécie de gastrópode (Inodrillia hesperia) 7. Região do planeta Marte (Planum Hesperia) 8. Espécie de borboleta 9. Jornal (Hesperia) académico de Arqueologia 10. Cidade da Península Ibérica para onde confluem viajantes de todas as partes do mundo e centro mundial de estudos em mitologia (Hispéria).

domingo, 2 de janeiro de 2022

Andreas Zirgus e o fim do amor imenso pela sua mulher, Annadritina Zivag, que dormia inocente no canapé azul e verde

 - Não soube dizer-lhe que o meu amor acabou no dia de festa. Tudo muito bonito. As luzes tremeluzentes de mil e uma cores iluminavam de forma assombrada as ruas desalmadas, e os cães espantados pelos sons surdos corriam ganindo para as suas casotas. Dois homens, julgo ter adivinhado Ambruze Soledad e Almbruzivo Aldegunde, cantavam uma velha canção de saudade, arrancando choro sentido de seus alaúdes vicentinos. Marília Continque assava peixe no seu velho assador de ferro fundido, sacudindo com vigor o braço, chegando ar às brasas, que se alegravam, crepitando em tons vermelhos, laranja e amarelos. Ao fundo da rua, quatro vultos pareciam arrastar um homem morto pelos tornozelos, produzindo o mesmo som que uma cobra gigante faria ao arrastar-se na terra seca. E eu soube que o meu amor acabara, mas não lhe disse. A minha querida mulher dormitava no canapé azul e verde, povoando, provavelmente, o seu sono com os mais deliciosos sonhos. E eu não soube.

domingo, 17 de outubro de 2021

Juan el Pequeño

Juan el Pequeño mede quase dois metros.
- Sempre fui muito pequeno, mas minha mãe alimentou-me de acordo com uma velha tradição celta. Cresci tanto que a casa se tornou pequena para mim, e minha mãe, que morreu de morte comum, entregou-me a uma tia que habitava uma terra distante, Inglram, nas costas da Nova Caledónia. Minha tia, cujo nome lembra águas-pés brancas e verdes, viajava no dorso das baleias duas vezes por ano, maio e um outro mês aleatório. Comia caranguejos e algas. Desde que torceu o pé nunca mais foi a mesma pessoa. 

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Moreno do FMAM

 - As modas e os mitos partilham a mesma raiz no pensamento:  a procura pelo absoluto, o que, evidentemente, o supõe ab initio. Porém, se necessário se torna supor o absoluto, e não afirmá-lo em claras palavras, como podemos nós, em pleno juízo, confirmar que o absoluto é aquilo se apresenta ser?

Moreno é o único elemento ativo do Famoso Movimento Anti-Mitos (FMAM), recentemente oficializado junto das entidades competentes das regiões.

- Tivemos assento num dia escuro de Novembro; tão escuro que nem a tinta da caneta se percebia no papel. Diria um dia mítico, caso acreditasse em mitos.

Moreno tem na cara a cor branca de uma nuvem tímida de Verão. Nos braços magros como ramos secos de árvore, nascem tatuagens de cobras, serpentes e lagartos azuis e verdes, que parecem mover-se languidamente sob o calor soturno de Hispéria.

- No auge do FMAM, sete meses antes do assento oficial, éramos quatro elementos bastante ativos. Resto eu. A Carmen diz ter-se dedicado ao cake design, a Olívia entregou-se ao pára-quedismo aleatório, o Carlitos emigrou para o Rio de Janeiro, onde sonha construir uma escola para formigas com as próprias mãos. Todos eles, na verdade, apresentarem argumentos válidos para deixarem o FMAM. Todavia, creio que no fundo de cada um deles forças maiores operaram. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Olinda Kiznetsova

Olinda Kiznetsova queixa-se, há duas décadas consecutivas, de dores nos rins.
- Durante o Outono de 2002 não tive dores. Na farmácia de Lupa-Lupa, nos confins orientais da Rússia, aconselharam-me um xarope fabricado em 1879 por Vladimir Vladimir Nubokav, um lunático fabricante de bicicletas e mergulhador de rios e riachos utilizando um complicado sistemas de vasos de barro. Resultou. Infelizmente, era o único frasco e ninguém registou a receita. Tentei falar com a descendência de Vladimir Vladimir Nubokav, mas das trezentas pessoas que moram na aldeia de Nubokav, nos confins orientais da Rússia, todas descendentes de Vladimir Vladimir Nubokav, nenhuma quis falar comigo, à excepção de Vladimir Vladimir Vladimir Vladimir Nubokav, mas era um pouco tonto e só pensava em sexo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

José Silva

José Silva regressou recentemente de África. Num saco de pele de leopardo, contrabandeado na fronteiras entre a Tranquistânia-Ocidental e a Sensilália do Borélio, transporta espirros de elefantes cor de rosa.
- Não acredito que possam ser espirros de elefantes cor de rosa.
- Só não acredita quem não quer.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Samaria Yoander

Samaria tem as costas alargadas pela natação no rio Num, no Sul agreste da Etiópia Meriadiana. Dedica-se à arte primorosa de construir ninfas, deuses, ogres, rãs, grilos, ipiripiris, pãs e silvanos utilizando detritos e pedacinhos sem dono largados nas ruas de Hispéria. Oferece-os exigindo nada exigir.
- Sinto-me feliz assim. Bem sei que a felicidade talvez seja um conceito esconso, sobrevalorizado e alimentado pela cultura pós-consumista. Ainda assim, não sendo a felicidade a que outro horizonte poderemos nós aspirar? Já tentei praticar outros objetivos sublimes, por exemplo o sofrimento e o questionamento radical, mas em nenhum destes me senti particularmente confortável durante mais do que 3 meses. A procura da felicidade dura-me há 4 meses, e para já tenho resistido à infelicidade que é nunca lhe chegar.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Nandu

Nandu Juliueru Juiletiuru Guitolitu solta uma baforada e recomeça a cantiga: "Nós dois pela mão, nós dois pela mão, nós dois pelo pé, nós dois pelo pé, remando lentamente pela rua das manhãs." À sua frente, Analitu Oliutu Liutu estende uma lata vazia de salsichas e pede dinheiro.
Nandu e Analitu chegaram 3 anos atrás a Hispéria e nunca mais quiseram ir embora. Ganham a vida como músicos de rua e habitam uma cama fria sob a ponte do rio Amarelo, a sul da cidade.