Hispéria (ou Hespéria) 1. Uma das ninfas inácides concebidas pelo potâmoi Ínaco 2. Hispânia ou Península Ibérica (Hespérica), tal como referida por Camões 3. Cidades dos Estados Unidos da América (Califórnia e Michigan) 4. Asteróide descoberto em 1861 por Giovanni Schiaparelli 5. Espécie de insecto (Aphaenogaster hesperia) 6. Espécie de gastrópode (Inodrillia hesperia) 7. Região do planeta Marte (Planum Hesperia) 8. Espécie de borboleta 9. Jornal (Hesperia) académico de Arqueologia 10. Cidade da Península Ibérica para onde confluem viajantes de todas as partes do mundo e centro mundial de estudos em mitologia (Hispéria).

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Bill Pope, o balonista

balonismo
Bill Pope pratica balonismo desde os 9 anos de idade. Aprendeu com Andrew Pope, o seu pai. Inglês de barba branca, Bill Pope não enjeita a ideia de um dia poisar na Lua.
- Com algumas transformações, o meu balão, Old Jack, conseguirá subir aos céus, tal como descritos na Idade Média; que isto desde que instituíram a ciência como forma privilegiada de aceder à verdade deixou de ter piada. Foi esse palerma do Leonardo da Vinci e esse Nolano. Se os vejo por aí ainda lhes bato - cerra o punho e brame-o no ar.
Bill Pope aterra em Hispéria 2 vezes por ano, e durante uma semana de cada vez, para descanso do seu pêndulo migratório entre a Nova Zelândia e o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos da América. Nas suas viagens alimenta-se de sardinhas em lata e bebe água da chuva.
- Quando tenho sede, procuro nuvens carregadas, desço e aparo a água para este barril. Foi uma técnica que o meu pai me ensinou, paz à sua alma. Quando não as encontro é que é pior.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O orfanato

orfanage
O sorriso loiro de Hans espreita pelo vidro fosco do orfanato. Outras 4 crianças acotovelam-se atrás dele. Quando passa alguém na rua, levanta os braços e acena e grita descontroladamente.
O orfanato tem duas gigantescas camaratas, uma para raparigas e outra para rapazes. A sua lotação total é de 100 crianças, 50 de cada sexo. Neste momento, as suas paredes albergam 51 rapazes e 53 raparigas. Enfiado num paletó chinês, o director da instituição, o colombiano Suarez, fuma uma charuto ao portão. Nadia, a soviética, como é conhecida pelas crianças, varre o pátio interior. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O matadouro municipal de Hispéria

tristao da cunha
Eduard Grass e Jennifer Grass, gémeos, gerem o matadouro municipal de Hispéria. E não só o gerem como matam tudo o que há para matar. A viver em Hispéria desde 2005, chegaram à cidade no dia de Todos os Aparecimentos, um dia muito celebrado. Padecem de asma e glaucoma, doenças endogâmicas comuns entre os habitantes de Edimburgo dos Sete Mares, capital da Ilha Tristão da Cunha, umas das remotas ilhas do arquipélago com o mesmo nome. Eduard Grass e Jennifer Grass sorriem muito e, sem pestanejar, abatem um boi gigante. O boi cai para o lado. Jennifer lava o animal com um potentíssima agulheta de água - na morte, os bovinos defecam com brutalidade. Eduard encosta-se a uma palete de caixas de madeira e acende um cigarro. Jennifer brinca com ele, fingindo que lhe vira a agulheta. Eduard estica o braço para trás, como que ameaçando dar-lhe uma palmada.
- Isto aqui é muito bom - diz Eduard Grass. - Em Edimburgo dos Sete Mares é um miséria: primos casando entre si, homens encornando as mulheres (muitas delas delas suas tias) com as sobrinhas... É o preço das restrições geográficas - e ri como um perdido, repetindo "restrições geográficas" duas vezes. - Isto até parece que estou na televisão a falar... é de matar a rir.
Jennifer aponta a agulheta aos pés de Eduard e molha-lhe os pés.
- Se não estás quieta levas uma palmada - diz, furioso, Eduard.
Jennifer vira-lhe as costas e volta ao trabalho.
- De modos que é isto - rebate Eduard.
Os gémeos deixarão a cidade durante o verão de 2014 e viajarão para a República da Guatemala, onde esperam empregar-se no matadouro municipal de La Nueva Guatemala de la Asunción.

domingo, 12 de agosto de 2012

Helena Vgorish

- A minha filha Helena Vgorish saiu de casa aos 10 anos de idade. Sempre me disse, ainda mais pequena do que a jarra de flores da cozinha, "mãe, hei de conhecer o mundo inteiro quando chegar aos 18". A minha filha Helena Vgorish saiu de casa há 8 anos, e por esta altura leva o mundo no peito e os caminhos da Terra nas pernas magrinhas. A minha filha Helena Vgorish completou 18 anos no dia de hoje, e por isso acendi uma velinha na janela para lhe alumiar o caminho de volta para casa. É uma boa menina, a minha querida filha Helena Vgorish.

A mulher afasta-se. O vaso fúnebre que transporta junto ao peito refulge na tarde seca.

sábado, 11 de agosto de 2012

"Ainda bem que o sol se pôs durante a manhã" - XIX Congresso de Doenças do Viajante - intervenção de Gertrude Viola (2)

- Caso Prático B - continuou a gordíssima enfermeira Gertrude Viola -, Armand Torrier. Perdeu o juízo durante uma viagem ao Parque Nacional Serra da Capivara, em busca de figuras rupestres inéditas desconhecidas por olhos humanos, com excepção dos autores, uns hominídeos insignificantes que pouco mais fariam do que desenhar figuras toscas nas cavernas.
Paul Eluird, arqueólogo e fervoroso praticante de mitologia rupestre, levantou-se de rompante e pigarreou fortemente, como que a pedir atenção. Gertrude Viola continuou.
- Ao fim de 2 meses perdido no meio daquele imensa e pavorosa pedreira, Armand Torrier sentiu uma picada numa perna e quedou-se prostrado diante de um amontoado de amazonita . Foi encontrado por Mamãe Silva e Papai Silva, dois índios tupi que por ali caçavam moscas, parando apenas para cozinhar cachupa de Cabo Verde em doses controladas, segundo informação dada pelos próprios ao Jornal de São Raimundo Nonato, "A Corneta de Nonato". A jornalista que os entrevistou, Laura Silva, emocionou-se com a tristeza dos olhos de Mamãe Silva, mas desse assunto me ocuparei no XXIII Congresso de Antropologia e Mitologia, no próximo dia 6 de setembro, nesta mesma sala.
Paul Eluird, o arqueólogo praticante de mitologia rupestre, pigarreou ainda mais alto de modo a mostrar a sua indignação. Num sus, e com um movimento cabeçal, escorraçou o carrapito do chapéu madeirense da cara, que ameaçava provocar-lhe um espirro pela forma insinuante como rondava a pedunculosa narigueta. Como não obteve apoio, ou sequer um subtil olhar aprovador, sentou-se novamente e espirrou fortemente, aliviado.
- Armand Torrier, no pico da sua loucura, gatafunhou esta imagem que agora partilho, ao mesmo tempo que gritava "Ainda bem que o sol se pôs durante a manhã".
Carregou no comando. Carregou novamente. Pediu desculpa, dizendo ser muitas vezes era atraiçoada pela tecnologia. Pediu ajuda a um assistente. O assistente estendeu a mão. Gertrude Viola entregou o comando e olhou muito interessada para a forma como o assistente resolvia o problema. O assistente carregou em 3 botões de uma forma ritmada e devolveu o comando. Gertrude Viola agradeceu e carregou novamente no botão.
- Aqui está! - disse por fim Gertrude Viola.
A plateia exclamou alto, horrorizada.

Eluird

- Anda comigo para a cama, esta mulher é estúpida - insistiu Flávia.
E saímos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

XIX Congresso de Doenças do Viajante - intervenção de Gertrude Viola (1)

Claude Rener, conhecido por Gandalf, o cinzento, e outras vezes por Ganfalf, o branco, habita um provisório salão da embaixada da Venezuela, na rua Sessenta. Claud Rener veste como Gandalf, do livro de J. R. R. Tolkien, e viu todos os filmes de Peter Jackson. Confirma que os filmes ilustram com grande fidelidade os livros.
- O filme do Senhor dos Anéis diz muito sobre os livros de Tolkien – vira as costas e o seu manto, branco ou cinzento, arrasta-se no chão, varrendo a porcaria como se de uma vassoura se tratasse.

- Muitos viajantes enlouquecem durante as viagens e assumem uma personagem fictícia no processo; diria mesmo que esse é o principal sintoma da doença mental do viajante.
A senhora que fala no XIX Congresso de Doenças do Viajante é a enfermeira Gertrude Viola, uma colossal mulher de quase duzentos quilos, que para todo o lado se faz transportar de 4 não menos colossais malas Louis Vuitton.
- Viajar é um perigo para a saúde mental, trata-se de uma actividade de desgaste brutal, não só físico como mental, e por isso aconselho, se possível, que o viajante transporte o seu psicanalista, o seu médico, o seu psicólogo, o seu advogado, o seu assistente social ou o seu conselheiro pessoal. Na falta destes, embora com menos impacto para a saúde do viajante, aconselho a companhia de um familiar próximo, por exemplo de um primo ou mesmo, tratando-se de viajantes séniores, de um sobrinho. Nunca se sabe o que poderá acontecer in media res, um cansaço vertiginoso, uma dor de cabeça alucinante, uma febre altíssima e inquebrantável, sombras no lugar onde deviam estar coisas vistas de viva visão, uma paralisação das pernas ou mesmo dos braços, uma catatonia absurda quando se passa uma fronteira: eis a doença do viajante.
- Esta mulher é estúpida – sussurrou Flávia, que igualmente assistia ao congresso, sentada a meu lado. – Queres ir para a cama?
Levantamo-nos vagarosamente, como se demorássemos um século em cada movimento.
- De seguida, apresentarei dois casos práticos de viajantes afectados pela Doença Mental do Viajante.
“Caso prático A: Claude Rener, o viajante conhecido por Gandalf, o cinzento, ou por Gandalf, o branco. Sintoma principal e de maior relevância: simplificação da própria anatomia interna; por exemplo, o estômago e o coração, na próprio-percepção de Claude Rener, passaram a ser um órgão apenas, um “estocoração”, nas palavras do doente. Claude Rener, durante a fase aguda da doença, recusava ingerir qualquer tipo de alimento por recear que viesse a afectar-lhe a circulação sanguínea."