Hispéria (ou Hespéria) 1. Uma das ninfas inácides concebidas pelo potâmoi Ínaco 2. Hispânia ou Península Ibérica (Hespérica), tal como referida por Camões 3. Cidades dos Estados Unidos da América (Califórnia e Michigan) 4. Asteróide descoberto em 1861 por Giovanni Schiaparelli 5. Espécie de insecto (Aphaenogaster hesperia) 6. Espécie de gastrópode (Inodrillia hesperia) 7. Região do planeta Marte (Planum Hesperia) 8. Espécie de borboleta 9. Jornal (Hesperia) académico de Arqueologia 10. Cidade da Península Ibérica para onde confluem viajantes de todas as partes do mundo e centro mundial de estudos em mitologia (Hispéria).

sábado, 28 de julho de 2012

Hashir, a cidade do vento

Paul Court visitou Hashir 11 anos atrás, durante o mês de Abril, o mês das festas do ar quente e do vento. Centenas de balões de ar imponente, pintados de todas as cores, pairavam na tarde amarela da cidade desenhando sombras fugazes nas ruas e nas casas. Os habitantes de Hashir, vestidos de branco e enfeitados com asas, tecidos flutuantes ou flores de dente-de-leão, sorriam e cumprimentavam-se. A cada largo ou clareira, bandas formadas por quatro ou cinco elementos sopravam instrumentos de vento, formando uma incomensurável e caótica melodia que abraçava a cidade. Celebrava-se o ar puro e os ventos que favoreciam a pureza da cidade. Múltiplas procissões serpenteavam as ruas, por vezes cruzando-se umas com as outras. À frente seguiam as Hubhas, as guardiãs das portas dos templos do vento desde o tempo de Moisés, ou, na sua indisponibilidade, alguém por si nomeado, geralmente crianças com não mais de 6 anos,  idade a partir da qual poderiam ser dedicadas a Moisés e aos ventos divinos.
Paul Court tirou a mochila, enxugou a testa com um pedaço de pano sujo e sentou-se quebrado pelo calor. Ouvira falar muito dos prodígios de Hashir. Durante 2 ou 3 dias, em pleno inverno, a cidade é fustigada por peixes voadores do Mar Arábico que viajam centenas de quilómetros, passando por cima de outras cidades e de outros países, para encontrar a morte nas portas de Hashir. Durante a segunda quinzena de janeiro, as árvores de Hashir adquirem uma tonalidade azulada desconhecida noutras partes do mundo; chamam-lhe a "quinzena da paixão das árvores", porque as árvores parecem estender os ramos umas para as outras, como se quisessem abraçar-se. Em agosto, no pico do calor arábico, pássaros de todo o país e dos países vizinhos habitam, por minutos, Hashir; e todas as varandas, todas as árvores, todos os postes, todos os terraços, todos os telhados, todas as ruas e todas as janelas se enchem de pássaros. A cidade cobre-se de penas e transforma-se ela própria numa interminável ave. Por fim, os pássaros desaparecem da mesma forma que apareceram, sem ninguém perceber como nem porquê.
Lá ao fundo, no meio da algazarra, cerca de uma centena de idosos ajoelha-se no chão e ergue as mãos ao céu em sinal de súplica. Na varanda de um edifício mais alto, uma belíssima mulher de seios descobertos lança jarros de água para a rua e ri freneticamente. No telhado de uma casa, dois homens disparam tiros para o ar. Na rua à direita, as crianças, descalças, lançam papagaios.
Uma mulher mais velha dirige-se a Paul Court. Olha-o muito fixamente e pergunta-lhe:
- Quem és tu, o que fazes na cidade do vento? - mas sem mexer os lábios, a boca, nada.
- Quem és tu, o que fazes na cidade do vento, homem? - e nada, a mulher não mexe a boca.
O som nasce claramente naquele corpo, mas não há gestos, não há movimentos, como se a velha falasse com o pensamento e as palavras aparecessem tão claras como aparece a música das bandas e a agitação dos habitantes de Hashir.
Um homem mais jovem, aparentando ter cerca de 30 anos, dirige-se a ele com ar reprovador.
- Não devias ter entrado na cidade neste dia, estrangeiro! - diz-lhe, sem mexer a boca.
- Não devias ter entrado na cidade neste dia, estrangeiro! - e não há movimento na sua boca.
O homem e a velha afastam-se e de seguida surge um grupo de 5 homens armados. Agarram em Paul Court pelos braços e arrastam-no. Durante 5 dias, os dias em que duraram as festas, Paul não viu ninguém, não falou com ninguém. Fechado num quarto escuro, recebia água e alimentos por uma pequena abertura na porta, mas ao terceiro dia esqueceram-se dele. E apenas escapou quando a velha que primeiramente o abordou lhe abriu a porta e perguntou:
- Quem és tu, o que fazes na cidade do vento, estrangeiro?- e não abriu a boca.

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